domingo, 11 de março de 2012

Biopirataria: a comercialização da vida

Biopirataria: a comercialização da vida

Publicado em: 22/11/2011 - por Gabriela Brandalise
Comércio de pássaros, de aranhas, de veneno de cobras e até mesmo de solos da Amazônia. São alguns dos crimes cometidos por quadrilhas internacionais de biopiratas. O assunto é tão grave que chegou até o Congresso Nacional. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) investigou uma série de denúncias de biopirataria e colheu depoimentos assustadores.
 
Duas espécies de rouxinóis da Amazônia, o galo-da-serra (Rupicola rupicola) e o rouxinol-do-rio-negro (Icterus Chrysocephalus), são consideradas moeda valiosa em países como o Japão. Para ter-se uma ideia do que é esse mercado, a CPI apurou que cada exemplar traficado dos seringais da Amazônia é vendido por US$ 120 mil.
 
Ainda segundo o que a comissão parlamentar descobriu, os biopiratas roubam também essências de plantas, micro-organismos e até amostras de águas de vários rios da região.
 
O absurdo chega à comercialização de sangue de indígenas caritianas, suruís e ianomâmis. A venda é ofertada pela empresa estadunidense Coriell Cell Repositories, de Nova Jérsei. Em seu site, a empresa oferece amostras de sangue de indígenas brasileiros. Por nada mais que US$ 85,00 (R$ 180,00), o internauta pode encomendar amostras das linhagens de células e de DNA do sangue desses povos. 
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)  realiza operações contra a biopirataria. Quem nos conta mais sobre esse tipo de crime é Natália Milanezi, chefe da Divisão de Fiscalização de Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional Associado - DiGen/Cofis. 

O que é biopirataria? É um assunto recente? A biopirataria é o nome popular dado ao uso ilegal de informações genéticas de espécies da fauna, da flora e de micro-organismos brasileiros. Também configura biopirataria o uso não autorizado dos conhecimentos populares brasileiros, principalmente de indígenas e quilombolas, sobre os usos que as comunidades fazem dessas espécies. A remessa não autorizada de material biológico brasileiro para fora do País também constitui infração de biopirataria. O uso do termo biopirataria coincide com a evolução da biotecnologia moderna e está diretamente relacionado com o patenteamento de espécies e de produtos em todo o mundo.
Quais e quantas espécies já foram pirateadas do Brasil? Não há ainda um estudo preciso sobre volumes e consequências, até mesmo econômicas, da biopirataria para o Brasil. Mas, sabendo-se que o País detém 25% da biodiversidade mundial e variados conhecimentos tradicionais a ela associados, num contexto mundial em que cresce vertiginosamente o uso da biotecnologia como fator de inovação em vários ramos da indústria, é possível afirmar que o Brasil é um dos principais alvos internacionais.
O Brasil também faz isso com a biodiversidade de outros países? Não há informações sobre biopirataria internacional cometida por brasileiros. O que se sabe é que o fluxo comum dos recursos genéticos naturais é dos países ricos em biodiversidade (geralmente países em desenvolvimento) em direção aos países biotecnologicamente desenvolvidos (normalmente pobres em biodiversidade).
O tráfico de animais também é considerado biopirataria? Por muito tempo, o tráfico internacional de animais foi confundido com a biopirataria. A finalidade do tráfico é a venda de animais vivos no exterior para petshops. A biopirataria, por sua vez, caracteriza-se pelo envio ao exterior de partes ou subprodutos de espécies da flora, da fauna ou da microbiota na forma de extratos, moléculas ou outros materiais processados, ou mesmo como informações genéticas. Apesar de se fazer essa distinção, entretanto, é possível que animais e plantas inteiras e vivas sejam enviados ao exterior com a finalidade de investigação de suas propriedades genéticas, resultando na elaboração de produtos, como medicamentos e cosméticos. Por esse motivo, o Decreto Federal n.o 5.459/2005, que disciplina as sanções contra o patrimônio genético, não faz distinção da forma como as amostras do patrimônio genético saem do País, se vivos ou mortos, se inteiros ou em partes, já que, a partir do momento em que essas amostras saem do território nacional, perde-se o controle sobre sua aplicabilidade futura.
Quais são as consequências da biopirataria? Há uma estimativa do prejuízo que isso traz ao País? A principal consequência é a perda de milhões de dólares todos os anos por meio do patenteamento de produtos derivados da biodiversidade brasileira, o que obriga o pagamento de royalties para o uso, por exemplo, de medicamentos importados produzidos por laboratórios estrangeiros sem a autorização do Brasil e sem a devida repartição de benefícios com o provedor da matéria-prima – no caso, o Brasil.
Existem acordos internacionais que tratam desse assunto? A Convenção da Diversidade Biológica é o marco internacional do combate à biopirataria no mundo. Contudo, há também outro tratado internacional definido pela OMC (Organização Mundial do Comércio) que afeta negativamente a soberania brasileira no que se refere à nossa biodiversidade. Conhecido como Trips, sigla que em português significa Tratado de Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, esse tratado não impede patenteamentos fora do Brasil, mesmo se o uso da biodiversidade brasileira tenha sido ilegal. Recentemente, em Nagoya, no Japão, foi aprovado um protocolo que reafirma os direitos dos países sobre as suas diversidades biológicas e culturais, mas essa disputa internacional ainda está inconclusa.
Como é o trabalho de fiscalização do Ibama? O Ibama promoveu uma grande operação recentemente: a Operação Novos Rumos. Na primeira etapa, foram analisados 107 processos encaminhados pelo Departamento do Patrimônio Genético – DPG/MMA (órgão criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente para tratar do assunto), contendo casos de acesso irregular ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado em todo o Brasil. Diversas empresas nacionais e estrangeiras, centros de pesquisas e universidades foram autuadas, totalizando mais de R$ 107 milhões em multas e 156 autos de infração. Na segunda etapa da Operação, cerca de cem empresas dos ramos farmacêutico, alimentício, agropecuário, cosmético e de perfumaria, estrangeiras e mesmo brasileiras foram notificadas a apresentar informações e documentos que comprovem a regularidade de suas atividades. As respostas ainda estão sendo analisadas e poderão resultar novas penalidades.
Quais as punições previstas? O Decreto Federal n.o 5.459/2005, que disciplina as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, prevê multas para o acesso não autorizado às informações de origem genética de espécies brasileiras ou de conhecimentos de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas. Há, também, sanção por deixar de repartir os benefícios oriundos da exploração econômica dessas informações e pela remessa não autorizada desses componentes. As multas variam de R$ 200 a R$ 100 mil, quando se tratar de pessoa física, e de R$ 10 mil a R$ 50 milhões, quando se tratar de pessoa jurídica. Há inclusive a possibilidade de cancelamento de patentes como medida repressiva aos que cometem biopirataria contra nosso país.

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